quinta-feira, 5 de março de 2009

ENTREVISTA DO PRESIDENTE DO TRT AO DIÁRIO DA MANHÃ

Em entrevista a um dos jornais de maior circulação do Estado de Goiás, O Diário da Manhã, o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, o Doutor Desembargador Federal do Trabalho Gentil Pio, reconhece a defesagem de servidores e magistrados e discorre sobre outros temas a respeito da realidade brasileira.

Entrevista concedida pelo presidente do TRT-GO ao Diário da Manhã (06/02)



Leia, a seguir, na íntegra, a entrevista concedida pelo presidente do TRT-GO, desembargador Gentil Pio de Oliveira, ao Diário da Manhã, de 06/02/2009:

“Não é hora para ocorrer demissões” Da Redação
O novo presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) - 18ª Região, desembargador Gentil Pio de Oliveira, atua em um dos ramos do Judiciário mais rápidos e efetivos do País. A alta produtividade e a celeridade nos julgamentos são pontos de destaque da Justiça trabalhista goiana. Na Justiça do Trabalho, costuma-se falar em dias e meses, enquanto que nas justiças criminal e cível, para se ter idéia, a escala é de anos e décadas. É inegável a diferença.
No próximo biênio, Gentil quer manter a fama de tribunal célere do TRT e efetivar conquistas, como a construção da nova sede para as varas do trabalho da Capital e a ampliação do número de servidores – além de um possível incremento nas vagas de desembargadores.
Tudo depende, claro, de Brasília. A Justiça trabalhista faz parte da estrutura do Poder Judiciário da União e precisa necessariamente da anuência dos poderes Legislativo e Executivo (federais).
Nesta entrevista concedida ao Diário da Manhã, em seu gabinete, o presidente fala dos projetos de interesses internos do órgão que coordena, mas faz ressalvas importantes de interesse geral sobre a relação de emprego no período de crise.
Nesta semana, Rui Stoco e João Oreste Dalazen, integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alertaram que a crise financeira pode aumentar a demanda no Judiciário. Gentil Pio diz que o TRT ainda não sentiu este aumento de procura e, na verdade, espera não sentir. Mas está preocupado com a situação: “Não é hora para demissões.” A explicação é emotiva – afinal, ele está acostumado a ver casos de pais que perderam emprego, comprometendo a sobrevivência de toda a família. Esse grave problema social deságua na mesa dos magistrados em forma de ações trabalhistas. Para o presidente do TRT, é preciso ter a compreensão de que no capitalismo tudo está interligado. Gentil Pio explica a equação: “Menos emprego significa menos consumo. Será ruim para todos.” Nas próximas linhas, ele fala de terceirização, princípios do direito do trabalho, novidades do TRT e aspectos da crise financeira global.

Diário da Manhã – Administrar significa também dar continuidade. Em que o senhor vai dar sequência da gestão passada?

Gentil Pio – Temos alguns projetos importantes no TRT que pretendo dar prosseguimento. É o caso da construção do prédio que vai abrigar as 13 varas de trabalho de Goiânia. Estamos hoje trabalhando com dois juízes em cada vara, tendo audiências de manhã e à tarde. A sobrecarga é realmente impressionante. Temos, inclusive, casos de juízes que estão adoecendo... Isso ocorre em razão do grande volume de processos. É importante ressaltar que o juiz não realiza apenas audiências, pois ele tem que sentenciar, o que é bem mais difícil. Ele precisa estudar os autos, verificar documentos, analisar testemunhas, às vezes contraditórias, formar a convicção e formalizar a sentença. Tem, enfim, todo trabalho até chegar à conclusão do processo. Para a realização de todas essas tarefas, o magistrado conta com o apoio da secretaria, que é estruturada para atender apenas um juiz do trabalho e não dois como ocorre na maioria das varas trabalhistas em Goiás. Quer dizer, o trabalho está, no mínimo, dobrado e falta espaço físico para acomodar mais servidores, receber bem as partes e advogados. Por isso, a construção da nova sede da primeira instância da Capital é tão importante.

DM – Que projetos o senhor acompanhará de perto nesta gestão?

Gentil Pio – Já foi aprovado na Câmara dos Deputados e está sendo apreciado no Senado, por exemplo, um projeto que cria 270 novos cargos para servidores em Goiás. Nossa expectativa é de que, ainda neste ano, ele seja sancionado pelo presidente da República. Tanto que, em outubro do ano passado, foi realizado concurso e criado um cadastro de reserva para que, tão logo ocorra a aprovação do projeto, o tribunal possa preencher de imediato essas vagas.

DM – O TRT terá mais desembargadores?

Gentil Pio – Existe outro projeto de lei, também no Congresso Nacional, que ao ser aprovado cria mais cinco vagas de desembargadores. Atualmente, temos oito cargos e com o projeto pretendemos chegar a 13. Vamos nos empenhar para ter estes desembargadores e mais servidores. Destas cinco vagas, quatro serão destinadas à magistratura e uma para o quinto constitucional (NR: vagas destinadas aos profissionais do Ministério Público e da advocacia).

DM – Onde está o maior gargalo trabalhista do Estado?

Gentil Pio – De maneira geral, a 18ª Região está trabalhando no seu limite. Mas eu cito a vara do trabalho de Mineiros como um exemplo. Até bem pouco tempo era uma vara bastante tranquila. De repente, o volume de reclamações trabalhistas triplicou. Em 2006, foram ajuizadas 752 ações; em 2007, 1.294 e, no ano passado, foram recebidas 2.209 reclamatórias trabalhistas. Houve acentuado crescimento econômico, grandes empresas se instalaram na região e isso aumentou a demanda. Pensávamos que a situação fosse sazonal, mas é um fato atípico e que persiste. Outro lugar que apresenta certa desproporção entre juízes/servidores e processo é Goiânia, o que pode ser explicado por se tratar de uma metrópole com mais de um milhão de habitantes.

DM – Mas a função do Estado é prestar o serviço jurisdicional. O senhor vai resolver esse problema?

Gentil Pio – Para isso, com certeza, estamos dando um suporte imediato, designando juiz auxiliar e servidores, deslocando pessoas ainda de forma temporária para manter a agilidade na solução dos processos, mas será preciso instalar nova unidade judiciária na região. Para resolver essa situação e, também, atender a outras regiões em que é difícil para o trabalhador ter acesso à Justiça do Trabalho, o TRT já encaminhou projeto ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho solicitando a criação de mais 37 Varas do Trabalho para o Estado de Goiás.

DM – Apesar dessas dificuldades, a Justiça do Trabalho em Goiás tem fama de ser célere.

Gentil Pio– É verdade. Nosso tribunal é um dos mais céleres do País, isso se deve ao comprometimento de servidores e magistrados que, mesmo com sobrecarga de trabalho, procuram entregar com rapidez a prestação jurisdicional. Para se ter idéia de nossos serviços, na primeira instância, uma reclamação no sumaríssimo (rito para causas cujo valor é de até 40 salários mínimos), demora em média 27 dias. Esse tempo vai do ajuizamento até a prolatação da sentença. No procedimento ordinário, em média, o período é de 72 dias. Se houver recurso, no TRT, os casos têm sido julgados em 91 dias. Queremos manter e até melhorar esses índices.

DM – A flexibilização das leis trabalhistas deve ser implementada?

Gentil Pio – É preciso, primeiro, definir o que é flexibilização. Tem gente que ataca ardorosamente e outros defendem o tema da mesma forma. Acredito sempre que o certo, ou o melhor, está no meio termo. Não podemos prejudicar os direitos fundamentais e essenciais do trabalhador. Aliás, penso que não é momento para se discutir flexibilização. Atualmente, o Brasil tem uma grande oferta de mão-de-obra e pouca oferta de empregos. Ou seja: o trabalhador está em uma situação de inferioridade. Ele está mais preocupado em garantir o emprego do que os seus direitos. Agora veja esta situação: o trabalhador constitui a grande massa de consumo, se ele perde o emprego, será um consumidor a menos. Em consequencia, a indústria vai produzir menos. Essa roda não pode ter continuidade...

DM – Mas que alternativa o senhor propõe? Gentil – Podemos falar, sim, em simplificação da legislação trabalhista. O salário-hora no Brasil está em R$ 2,11. Isso é um valor irrisório, pois o trabalhador pega seu contracheque no fim do mês e quando olha no rodapé, depois de descontado tudo, encontra um valor muito pequeno. Na verdade, portanto, acho que precisamos aumentar o que o trabalhador recebe. Como alternativa, existem estudos para retirar a incidência dos encargos sobre os salários e buscar outras bases de cálculo. É o caso da Previdência. É evidente que ela não pode ficar sem custeio. Mas tem-se discutido tirar essa incidência previdenciária dos salários e colocá-la, por exemplo, sobre o faturamento ou sobre o lucro. A matéria deve ser amplamente discutida, pois nesse último caso algumas pessoas poderiam entender que seria uma espécie de bitributação – sobre o lucro já incide o Imposto de Renda. Outro fator é que a assistência social não deveria estar incluída na Previdência. Não digo que assistência social não tenha importância, ela é necessária e de altíssima relevância, mas ela deveria ter outra fonte de custeio.

DM – Como o senhor vê a questão da terceirização no Brasil?

Gentil Pio – Enxergo esta questão com reservas. Não sou contra, pois existe a terceirização legalizada, tendo enorme valor social e trabalhista. Hoje, ocorrem alguns problemas com a terceirização, pois uma grande quantidade de empresas, e até mesmo órgãos públicos, terceirizou determinados serviços essenciais. Mas o problema da terceirização é que nem sempre a empresa que presta serviços cumpre corretamente as leis trabalhistas. E se isso ocorre, o tomador de serviços responde solidariamente pelas obrigações. O empresário que opta pela terceirização quer ficar livre de problemas, mas, por eventualidade, pode acontecer o contrário: se a empresa prestadora não honrar as suas obrigações, o tomador de serviços (quem contrata e terceiriza) também responde na Justiça. É bom ressaltar que a terceirização é considerada ilegal quando for utilizada na execução de tarefas profissionais da área fim das empresas. Uma indústria de carros pode terceirizar o serviço de zeladoria e segurança, mas não pode usar o expediente da terceirização para contratar um metalúrgico.

DM – Existe alguma forma de terceirização da atividade fim da empresa?

Gentil Pio – Não, não existe nenhuma hipótese de terceirizar as atividades decorrentes da atividade fim de uma empresa.

DM – A Emenda Constitucional 45, de 2004, aumentou o volume de trabalho da Justiça trabalhista?

Gentil Pio – Com a Emenda 45, a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada substancialmente, pois passou a julgar não só os litígios decorrentes da relação de emprego, mas, também, os decorrentes da relação de trabalho como é o caso do representante comercial autônomo. Também vieram para a Justiça do Trabalho as ações de movimentos grevistas e de representação sindical, além de outras.

DM – Os litígios decorrentes de acidente de trabalho agora são julgados na Justiça do Trabalho. As ações de indenização são de difícil solução?

Gentil Pio – Valorar a questão de uma deficiência física advinda de acidente é algo complexo e difícil. É impossível dizer quanto vale a saúde de uma pessoa. Não temos parâmetros. Mas a regra geral é que a reparação deve significar algo relevante para o trabalhador, ser proporcional à capacidade do empregador para não inviabilizar a atividade econômica, mas que o valor seja suficiente para imprimir um caráter pedagógico.

DM – Como fica a liberdade de contratar e a aplicação do princípio da primazia da realidade, que muitas vezes é aplicado pelo juiz para desconsiderar exatamente o contrato de trabalho?

Gentil Pio– Alguns direitos trabalhistas são irrenunciáveis. Exemplo: salário e férias. Essas questões são indiscutíveis como direitos, não valendo pacto diferente entre trabalhador e empresário. Agora estamos falando de duas coisas diferentes. O princípio da primazia da realidade significa que os fatos prevalecem sobre documentos destoantes da realidade. Veja a figura do representante comercial. Ele pode ser autônomo ou empregado. A empresa diz que ele era representante autônomo. Chega e fala: está aqui a prova, que é o contrato, ou seja, ele não tem direito a férias, 13º salário e outras vantagens empregatícias. Bom, mas o juiz instrui o processo, olha a prova, ouve as testemunhas e chega à conclusão de que ele preencheu, sim, as características clássicas de emprego: não-eventualidade, dependência e salário. Aplica-se, então, o princípio da primazia e a Justiça reconhece o vínculo de emprego, determinando a quitação de todas as verbas trabalhistas não pagas.

Gentil Pio
Naturalidade: Santo Antônio do Monte (MG)
Estado civil: casado e pai de uma filha de 13 anos
Formação: Faculdade de Direito de Anápolis
Atuação profissional: advocacia entre 1979 e 1989
Concurso: juiz substituto, em 1989
Além disso, o desembargador pleiteia a instalação de mais 37 varas do trabalho em Goiás.
Livro: Advogado de Defesa, de Irving Stone Fonte: Diário da Manhã (06/02/2009)"